segunda-feira, 20 de maio de 2013

Ainda o tema dos preconceitos - uvas e países

Tempos atrás, escrevi por aqui que os preconceitos, em matéria de vinhos, são sempre perigosos - isso para não mencionar o mundo real, fora do terreno dos vinhos (certo, Marcos Feliciano ?!?) ...

Muito bem, vamos nos restringir aos preconceitos do mundo dos vinhos, para que a conversa não vá longe demais ...

Estou me referindo, é claro, aos meus próprios preconceitos. Querem ver dois exemplos ? Eu costumo ser muito crítico com relação aos vinhos tintos brasileiros (embora tenha sempre elogiado nossos brancos e - principalmente - nossos espumantes), e costumo não curtir muito os vinhos da uva tannat.

Muito bem. Sábado estivemos em Campinas, em mais um jantar delicioso na casa dos nossos queridos amigos Cláudia e Walther.

O Walther havia nos preparado uma surpresa - ou um desafio. Nos deu a provar um vinho às cegas, sem permitir que a gente visse o rótulo do que estávamos bebendo. É mais do que sabido que esse tipo de degustação às cegas é um ótimo remédio contra preconceitos de todo tipo, neste mundo dos vinhos.

O tal vinho tinha uma coloração profunda, densa, escura. Quase não tinha halo aquoso - o halo era cor de rubi, o que parecia indicar um vinho ainda jovem. A lágrima, na parede da taça, parecia indicar um vinho de teor alcoólico elevado.

Aroma intenso, onde se destacava com muita força a madeira, sobrepondo-se e praticamente mascarando a fruta. Ao fundo, um certo aroma de fumo ou couro - certamente, também emprestado pelo carvalho.

Na boca, um vinho redondo e macio, com a fruta agora mais presente, e taninos muito vivos. Um pouco ásperos, mas foram amaciando sensivelmente à medida em que o tempo passava sobre a garrafa aberta. Talvez, uma certa lembrança de café - e uma boa permanência, acima da média.

Achei que estava bebendo um cabernet sauvignon chileno, muito amadeirado, com bastante álcool e jovem. Errei quase tudo ...

Na verdade era um X Decima Gemina Gran Reserva Tannat 2005, produzido em Caxias do Sul, pela mais do que veterana casa Piagentini. Esta vinícola, tradicionalíssima e muito conhecida por seus populares vinhos de garrafão, possui esta linha Premium, que costuma ser muito elogiada pela crítica - e que eu ainda não tinha tido a chance de provar.



Acertei no teor alcoólico elevado (13,9 %), e acertei na madeira (24 meses). Errei feio a uva, a procedência e a idade do vinho ... Essas degustações às cegas acabam com meu ego !

Interessante é notar que, apesar de ser um 2005, o vinho claramente ainda apresentava um potencial de guarda bastante alto, com sua coloração profunda e seu halo aquoso quase inexistente.

Taí, gostei bastante ! Tinto brasileiro, de tannat, e eu gostei bastante - preconceito não tem vez, mesmo, né ?

O nome do vinho, Decima Gemina, remete a uma legião romana - a "décima legião gêmea" - que Julio César usou na conquista da Gália, lá por volta das primeiras décadas do século I.

Fica aqui a recomendação, aos preconceituosos como eu - esqueçam os preconceitos !!


quinta-feira, 2 de maio de 2013

Mais uma tentativa de harmonizar vinho com moqueca

E vamos nós, Tereza e eu, mais uma vez, dar vazão a esse nosso irresistível instinto científico : qual o vinho que harmoniza bem com moqueca de peixe à baiana ?

A moqueca, todo mundo conhece - bom peixe fresco, cebolas, tomates, pimentões, azeite de dendê, leite de coco, coentro ... Dá água na boca, só de escrever sobre isso : a gente quase chega a sentir os aromas !

Há quem diga - e não sem razão - que uma cervejinha gelada talvez seja a melhor combinação para escoltar uma moqueca. Mas - ai de nós ! - a gente vive querendo beber vinho ... O negócio é ir tentando ...

Na verdade, já fizemos boas harmonizações com vinhos brancos da uva chardonnay (é o que a boa literatura sobre vinhos recomenda). Também já tentamos umas coisas que não deram muito certo - torrontés, riesling, gewürztraminer.

Mas a ciência não pode parar ! Vamos nós, como se fossemos Pierre e Marie Curie redivivos, prosseguir em nossos experimentos em prol dos conhecimentos !

Optamos, desta vez, por um vinho bem diferente : um riesling, sim, mas um riesling australiano. Foi o The Dry Dam Riesling d'Arenberg 2011. O d'Arenberg é um produtor australiano de mais de cem anos, que tem duas marcas registradas : os nomes engraçadinhos de seus vinhos, e as tentativas (bem-sucedidas, ao meu ver) de produzir na Austrália, no Vale do McLaren, vinhos típicos da França. Já comentei aqui no blog um dos meus preferidos de lá, o The Stump Jump. Se você ficou curioso, leia aqui.

The Dry Dam tem esse nome pelo fato de, segundo o produtor, as primeiras vinhas terem sido plantadas ao lado de um açude que jamais se encheu de água - ou seja, um dry dam.

O vinho tem um aroma floral marcante, com notas cítricas. De coloração muito clara, com leves reflexos amarelados, na boca ele se apresentou intenso e marcante - um vinho original, pra dizer o mínimo. Assim que a garrafa foi aberta, os sabores e aromas minerais sobressaíam. Depois de algum tempo, esses aromas mais duros amaciaram, e predominância eram os florais. Interessante como, ao longo da noite, ele foi se modificando : no final do jantar, ele estava quase doce, parecendo um vinho de sobremesa ... Muito curioso !

E harmonizou com a moqueca ? Bem, a gente chegou a conclusão de que estava apenas razoável ... O melhor momento foi mesmo quando os aromas florais se sobrepunham, mas deixando perceber, lá no fundo, aquela coisa mineral - um troço a que alguns autores se referem como "pedra-de-isqueiro". A combinação e o bom equilíbrio entre esses dois extremos ajudou a harmonização com a moqueca - que, a propósito, estava deliciosa !

Enfim, parece que a harmonização perfeita da moqueca é mesmo com os velhos e bons chardonnay ... ou você prefere a sua com uma cervejinha ?

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