quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Crônicas Lusitanas - Parte 4 - Que cenário !

Os leitores mais argutos deste blog terão notado que, ao contrário do que diziam algumas previsões catastrofistas, o mundo não acabou no último dia 21 ...

Isto posto, volto, então, a descrever minhas aventuras pelas terras lusitanas - e vou falar hoje sobre um cenário absolutamente deslumbrante, uma das paisagens mais encantadoras que já tive a oportunidade de ver nestas minhas viagens (e olhem que não foram poucas, não foram poucas ...)

Estou me referindo ao vale do rio Douro, no norte de Portugal, onde são produzidos os belos vinhos de mesa da D.O.C. Douro e os fantásticos e conhecidíssimos vinhos do Porto.

O vale do Douro está geograficamente dividido em três regiões vinícolas : o Baixo-Corgo, que começa a cerca de 100 km de distância do mar (da cidade do Porto, portanto), o Cima-Corgo, um pouco mais a leste, em direção ao restante da Europa, e o Douro Superior, já praticamente na fronteira com a Espanha. O próprio rio Douro, como é sabido, vem de lá do território espanhol, onde é chamado de Duero.

Ora, se o vinho dito "do Porto" é produzido lá, no Douro, por que é que ele é chamado de "vinho do Porto" ? Bem, isso é porque até os anos 80 o vinho a ser exportado com o nome de "vinho do Porto" só podia sair do país a partir, precisamente, da cidade do Porto. De lá para cá, a legislação mudou um pouquinho, e as vinícolas do Douro já podem produzir, envelhecer, misturar e exportar o vinho desde o seu próprio território - mas o nome vinho do Porto, como é óbvio, já está mais do que consagrado por dois séculos e meio de uso ...

Algumas das vinícolas de maior porte, no entanto, continuam a despachar seu vinho, produzido no Douro, para os enormes armazéns situados em Vila Nova de Gaia (a cidade-vizinha do Porto), onde milhões de litros descansam pacientemente, por anos, esperando o momento ideal do blend, do engarrafamento e da venda ao sedentos consumidores finais.

Mas eu falava do cenário ... Ah, o cenário do Douro ! Utilizei como base a cidade de Peso da Régua, no Baixo-Corgo, e dali partia por pequenas estradinhas para visitar as vinícolas, ver os vinhedos e contemplar o cenário.

As colinas que se espalham ao longo do rio são íngremes, e tem um solo duro e xistoso. Para poder plantar as vinhas, os nossos antepassados lusitanos de 250 anos atrás lidaram a ferro e fogo com esse entorno cruel, e foram esculpindo, ao longo das décadas, "degraus", patamares, que acompanham a curvatura de nível das montanhas. Esses "degraus" chamados de socalcos, às vezes têm pouco mais de largura do que a de um homem com os braços estendidos - e nesses socalcos estão os vinhedos.

Claro que hoje em dia, com a necessidade de introduzir novas tecnologias para a colheita das uvas, alguns terrenos estão sendo replantados em áreas mais amplas, ou no formato de vinhas ao alto, com os vinhedos em linhas paralelas subindo morro acima - mas ainda há muitos e muitos socalcos.

Parar no alto de uma dessas colinas e olhar para o cenário ao redor é uma coisa simplesmente estonteante. As colinas, não muito altas, sucedem-se ao infinito. Todas são recortadas pelos socalcos, pelos terraços, e todas estão literalmente cobertas de vinhedos. Para aumentar ainda mais a beleza, estive por lá no início do mês de novembro, época do outono. Os vinhedos estão tomados por folhas marrons, amarelas, douradas, vermelhas ... Lá embaixo, solene e tranquilo, o rio Douro corre suas águas como se não tivesse nada a ver com aquilo tudo ...

Não é à-toa que o cenário todo foi incluído, no ano de 2001, na lista dos Patrimônios da Humanidade da UNESCO (se ficou curioso, veja a lista toda clicando aqui).

Ao redor desse cenário de sonhos, vinícolas, hotéis charmosos, pequenas cidades, bons restaurantes.

Uma curiosidade que, confesso, eu não sabia e me surpreendeu : em muitas das vinícolas do Douro, o esmagamento das uvas ainda é feito pela centenária prática da pisa : grupos de homens são contratados, entram nos grandes lagares de cimento ou de xisto e prensam as uvas com os próprios pés descalços, numa marcha ritmada. Há até algumas vinícolas de porte médio ou grande que já fazem o esmagamento com maquinário moderno, mas reservam a pisa a pé para os vinhos top. Segundo os enólogos locais com os quais conversei por lá, a qualidade do vinho produzido na pisa a pé ainda é superior ... Será ?

De qualquer forma, fica aqui o registro : meu amigo, se você gosta de viajar e gosta de vinho, vá visitar o vale do Douro na primeira oportunidade. Não vai se arrepender, eu garanto !

6 comentários:

Evelyn disse...

Uau, que aula!
Fico imaginando morar/ trabalhar num lugar desses... Deve ser revigorante!

Nivaldo Sanches disse...

Pois é, Evelyn, deve ser mesmo revigorante ... Ficamos, Tereza e eu, loucos para retornar e gozar uma segunda experiência na região - quem sabe, desta vez, hospedando-nos em um dos belos hotéis que há dentro de algumas vinícolas. Em um próximo post voltarei a falar desses hotéis.
Beijos !

Evelyn disse...

Estou ansiosa para seguir com minhas leituras! Parabéns pelos textos tão bem escritos (como sempre) e que deixam a gente com uma baita vontade de pegar um vôo da TAP agora!!!
Beijo

Nivaldo Sanches disse...

Obrigado, Evelyn, você é sempre muito generosa com os amigos !

Anônimo disse...

E você alugou carro por lá Nivaldo? Ou pegou passeios como eu fiz em Bordeaux? Se pegou carro, ficou complicado para fazer degustação nas vinícolas, hein?Cara a paisagem é sensacional, realmente, é um emprego de dar inveja, o de trabalhar neste ramo, num lugar tão bonito como este.

Abraço,

Sandro

Nivaldo Sanches disse...

Sandro, especificamente na região do Douro, eu contratei uma empresa local. Falo disso num post posterior a este, acho que é o Crônicas Lusitanas - Parte 5.

Abraços !

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