quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Um corte argentino de respeito !

Feriadão de carnaval, não viajamos, nos dedicamos ao cinema (temporada de Oscar !) e aos vinhos, é claro ...

Tereza arriscou uma receita pra lá de audaciosa, tirada do site do chef - nada mais, nada menos - Claude Troigros. É mole ?

Tratava-se de um filé mignon assado envolto em folhas de acelga, que ficou muito bonitinho - vejam na foto a carne pronta para ir ao forno :


O filé foi escoltado por um molho chimichurri feito em casa, artesanalmente, passo a passo, e por um delicioso purê de batatas assadas com creme de leite.

Querem dar uma olhadinha no prato pronto ? Tá aqui, ó :


Bacana, né ? Bom de ver, melhor ainda de comer, acreditem !

E o vinho ? Bem, optamos por um Numina 2007, que estava na adega há alguns dias esperando um boa oportunidade. Este vinho é o top de linha da casa Salentein, de Mendoza, Argentina. É um corte interessante, formado por 85 % de malbec com 15 % de merlot. A combinação dessas uvas ficou ótima - a merlot entra com a estrutura, o corpo, uma certa agressividade tânica. E a malbec com sua inconfundível carga de fruta tão típica dos vinhos produzidos lá pelo nuestros hermanitos.

Li em algum lugar que o enólogo responsável pela Numina (Laureano Gómez) afirma que a merlot é o equivalente ao "esqueleto" do vinho, ao passo que a malbec comporia os músculos ...

O fato é que se trata de um grande vinho : coloração escura e profunda, aromas intensos de frutas vermelhas e de violetas mesclados com toques de tabaco e couro, taninos elegantes arredondados pelos 16 meses de barricas e uma permanência em boca bastante superior à média.

Combinou muito bem com a carne assada e o purê, e ficou um pouco prejudicado pelo chimichurri, de sabor muito acentuado.

De qualquer forma, um excelente vinho, que nós ainda não conhecíamos - e somos mais felizes hoje, que o conhecemos ...

Está sendo trazido pela Zahil, e custa alguma coisa ao redor de 100 reais.

Cheers !

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A mais importante região vinícola do mundo

O poeta Carlos Drummond um dia escreveu : "É preciso fazer um poema sobre a Bahia ... Mas eu nunca fui lá."

Na minha opinião, Drummond é um dos três maiores poetas da língua portuguesa - mas isso não me impede, cara-de-pau que sou, de parafraseá-lo : "É preciso fazer um post sobre Bordeaux ... Mas eu nunca fui lá."

De fato nunca fui a Bordeaux (Tereza insiste para que eu escreva "ainda nunca fui a Bordeaux", o que é ótimo !), mas fiz algumas pesquisas sobre o tema e decidi escrever este post.

E porque é que "é preciso" escrevê-lo ? Por dois motivos.

O primeiro é que Bordeaux é simplesmente a mais conhecida e mais importante região vinícola do mundo, sem dúvida nenhuma.

O segundo é que dois casais de amigos meus, leitores habituais deste blog, vão visitar a região dentro de pouco tempo - a Michelle e o Ricardo, primeiro, e a Adriana e o Sebastian, mais tarde. Quem sabe este post pode ajudá-los na duríssima tarefa de decidir o que visitar por lá ?

A região de Bordeaux fica no sudoeste da França, e é cortada por dois rios famosos, o Garonne e o Dordogne, que se juntam no estuário da Gironde e desaguam no Atlântico. Os rios dividem Bordeaux em três regiões bem marcadas. A "margem esquerda" (a oeste do rio Garonne), a "margem direita" (a leste do rio Dordogne) e o triângulo entre os dois rios, chamada de Entre-Deux-Mers (que quer dizer "entre dois mares", embora não haja mar por lá e sim rios).

Tudo indica que o vinho começou a ser produzido por lá na época dos romanos, mas só há registros históricos a partir do século XII, quando Bordeaux esteve sob domínio inglês. Hoje, a região está dividida em 57 AOCs (Appellation d'Origine Contrôlée), e conta com mais de 10.000 produtores ... É, não vai dar pra conhecer todos eles, numa viagem, eu acho ...

O forte da região, como é óbvio, são os vinhos tintos, produzidos basicamente com 5 uvas : cabernet sauvignon, merlot, cabernet franc, petit verdot e malbec (que eles às vezes chamam de cot). Também são produzidos alguns brancos secos, com uvas sémillon e sauvignon blanc. Ah, sim : produz-se por aqui ainda o mais espetacular vinho branco doce do mundo, o Sauternes.

A margem esquerda é o terroir por excelência da cabernet sauvignon, e ficam deste lado do Garonne algumas AOCs magníficas : Médoc, Haut-Médoc, St. Estèphe, Pauillac, Margaux, Pessac-Lèognan, Sauternes.

Grandes produtores por aqui são, apenas como exemplo, o Château Cos d'Estournel (St. Estèphe), os incomparáveis Château Lafite-Rothschild e Château Latour (Pauillac), o Château Margaux (Margaux) e o mitológico Château d'Yquem, que produz o Sauternes mais famoso (e mais caro !) do mundo.

A margem direita é o "império da merlot", com as AOCs St-Émilion, Pomerol, Lalande-de-Pomerol, entre outras. Grandes nomes desta região : Château Cheval Blanc (lembram do filme Sideways ? É aquele vinho que o Paul Giamatti bebe na lanchonete ...), Château Figeac, Château Lafleur, Château Pétrus.

A região de Entre-Deux-Mers é um pouco menos "atraente", do ponto de vista da qualidade dos vinhos - mas é a região que produz o maior volume em Bordeaux. A região é mais conhecida pela produção dos brancos secos.

Enfim, meus amigos que estão de partida para lá - vocês vão se divertir ...

Michelle e Ricardo, vocês que vão primeiro para Bordeaux - que tal descreverem pra gente, aqui no blog, o que viram / beberam / sentiram / curtiram por lá ?  Fica aqui a sugestão ...

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Chardonnay, chardonnay e chardonnay

Sábado tivemos um daqueles deliciosos jantares com nossos queridos amigos campineiros, a Cláudia e o Walther, nos quais a gente se dedica a provar novos vinhos ou a se deliciar de novo com "velhos amigos", vinhos que a gente já bebeu e fica com saudades ...

O jantar foi o famoso peixe com bananas da Tereza, que já entrou para o nosso cardápio definitivo - mas desta vez inovamos nas bebidas.

Isto é, inovamos em parte - decidimos que um bom vinho branco geladinho, de uvas chardonnay seria, sem dúvida, o melhor acompanhamento para o jantar, tanto por conta do casamento perfeito da untuosidade cremosa e ácida do chardonnay com o peixe e com as bananas, como por conta do calorão que tem assolado Sampa nas últimas semanas.

A inovação ficou por conta da experimentação com os vinhos - uma brincadeira que se mostrou deliciosa e extremamente didática.

Optamos por três tipos de chardonnay, que já sabíamos (pela literatura e por nossa própria experiência) bem diferentes entre si.


O primeiro foi um Fetzer Chardonnay 2009, um californiano que, surpreendentemente, não passa por madeira, ou passa apenas rapidamente, de forma que não se notam os aromas característicos do carvalho. É um vinho de bela coloração amarelo brilhante, com aromas de maçã e abacaxi, um toque amanteigado (virá de uma fermentação malolática ou da própria uva ? Confesso que não descobri ...). Na boca, pareceu um tantinho adocicado, mas preservava um bom frescor e acidez. Em suma, qualidades razoáveis para um vinho desse preço (cerca de 25 reais). Curioso é que a vinícola Fetzer, californiana, foi recentemente comprada pela chileníssima Concha y Toro.


A seguir, mudamos de latitudes e provamos um argentino, o Finca La Linda Chardonnay 2010, um típico mendoncino (produzido pela Luigi Bosca) que nos pareceu superior ao primeiro. Muito menos doce e com maior acidez, com aromas marcados de maçãs e pêras, e um leve toque de mel.


Terminamos com nova mudança de continente, e fomos agora ao rei dos chardonnay : um Chablis Louis Latour 2010, fresco e vibrante. O aroma do Chablis é um clássico entre os enófilos, já que reúne as características da fruta com a mineralidade do solo da região, que fica ao norte da Borgonha. O solo (que já foi o fundo de um mar) é formado por microscópicos fragmentos de conchas, que conferem ao Chablis um aroma único.

Conclusão - o Chablis foi o melhor vinho da noite, disparado - mas a melhor combinação com a comida talvez tenha sido dada pelo argentino.

Conclusão 2 (e mais significativa para nós) - não se pode, absolutamente, atribuir todas as características de um vinho apenas à uva com a qual ele foi produzido ... Eram três chardonnay, mas eram três vinhos completamente diferentes entre si. Nada, absolutamente nada, nos levaria a pensar que se tratava da mesma uva nos três vinhos, se a gente tivesse feito uma degustação às cegas ... Iríamos cair do cavalo ...

Fica, pois reafirmado o princípio dos três Gs que "compõem" o vinho - grape (a uva), ground (o terreno) e guy (a influência e a tecnologia adicionadas pelo homem).

sábado, 11 de fevereiro de 2012

O enófilo é antes de tudo um chato-de-galochas ...

Recebo um e-mail de um velho amigo (como provocação, eu suponho ...), com um texto onde o autor afirma que essa conversa toda de sommelier e de enófilo é pura frescura. Uma frase do texto diz que "a crítica de vinhos, com seu vocabulário pomposo e sofisticado sistema de notas de zero a cem, não é, em termos objetivos, muito mais do que uma fraude".

O autor afirma que, a partir de agora, vai classificar os vinhos que bebe apenas como Bom, Muito Bom e Fora de Série, considerando todo o resto palavrório vazio, puro marketing.

Será, mesmo ?

O sujeito que gosta de futebol certamente já comparou, na sua cabeça, Neymar com Messi. Bem, ele pode simplesmente classificar os jogadores de futebol como Ruins, Bons e Muito Bons. Neymar e Messi certamente serão classificados como Muito Bons - e fim de papo. Mas quem realmente gosta de futebol jamais vai abrir mão de comparar estilos, destacar a magia das firulas do Neymar, a eficiência mortal das arrancadas do Messi, a capacidade de um e de outro de chutar com os dois pés, ou de cabecear, ou de fazer lançamentos ... Será isso tudo "frescura" ?

O sujeito que gosta de cinema pode achar que Cidadão Kane é superior a Avatar, ou vice-versa. Claro : ele pode classificar os filmes como Chatos, Agradáveis e Excepcionais - e a conversa morre. Mas quem realmente gosta do tema não vai abrir mão de comparar a técnica de filmagem de um e de outro filme, o trabalho dos atores, o roteiro, a fotografia, a tecnologia empregada, a trilha sonora. Frescura ?

O sujeito que gosta de literatura , ao comparar um romance de Agatha Christie com um de Dostoeivsky, pode chegar à conclusão de que ambos são Bons, numa escala que inclui ainda Ruins e Maravilhosos. Mas há os que gostam do assunto de forma mais aprofundada - a esses, lhes encanta a chance de comparar o estilo dos dois escritores, checar a profundidade dos sentimentos expressos ou não expressos em um e em outro livro, a riqueza psicológica dos personagens, a criatividade (ou a repetição) nas fórmulas usadas nos diversos livros de cada autor, e assim por diante.

Música - você prefere Tom Jobim ou Michel Teló ? Será que basta classificar as músicas como Boas, Razoáveis, Insuportáveis , sendo todo o resto palavrório inútil ?

Numa palavra : é óbvio que existe um enorme contingente de público (seja para os vinhos, os livros, o cinema, o futebol, a música ou virtualmente para qualquer outro assunto) que se satisfaz com uma classificação simples e definitiva. Bom para eles.

Mas é claro que também existe um outro grande grupo de pessoas que gosta de fazer uma análise mais aprofundada do tema (seja ele qual for). Para essas pessoas, é importante (e divertido claro !) entender a razão mais profunda de porque é que este troço me agrada e este outro troço me aborrece, ou me agrada menos que o primeiro.

É evidente que este blog é escrito por um sujeito que se enquadra no segundo grupo de pessoas, e é escrito para pessoas desse mesmo grupo.

Nada contra quem não ama o tema o suficiente para querer aprofundar-se - mas, por favor, não venham me dizer que todo mundo do segundo grupo é sempre um chato, um farsante, que abusa de um jargão incompreensível.

Isso é nivelar por baixo qualquer discussão sobre qualquer tema, não acham ?

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Peixe com banana-da-terra e vinho branco

Sexta-feira foi dia de novas experiências de harmonização aqui em casa.

O prato do jantar foi um espetacular badejo com banana-da-terra - coloco aqui uma fotinho, só pra dar água na boca do desavisado leitor :


Pois é, a Tereza estava em um dia inspirado !

O calor da noite de verão paulistana pedia uma bebida refrescante, gelada. Chegamos a considerar a hipótese de uma boa cervejinha, mas o velho desejo de beber vinho falou mais forte ...

Peixe, banana-da-terra, molho branco, noite de calor - claro, a pedida tinha que ser um vinho branco.

Optamos por um velho conhecido, um amigo leal que nunca nos desapontou : um Altos del Plata Chardonnay 2010, da belíssima vinícola Terrazas de Los Andes, que tivemos a oportunidade de visitar na nossa mais recente viagem a Mendoza (se quiser ler o que eu escrevi sobre essa visita clique aqui.)

E por que foi que escolhemos um chardonnay ? Bem, nossa intuição é de que a untuosidade natural do chardonnay argentino combinaria com o molho branco do badejo, e de que os aromas de fruta característicos dessa uva poderiam harmonizar com a banana-da-terra - pois foi exatamente isso o que aconteceu.

O vinho tem coloração amarelo bem clarinha, com leves reflexos verdeais. O arome é bem intenso e frutado, lembrando frutas tropicais (abacaxi, pêssego). A passagem por madeira deixa um toque característico, mas leve, não muito marcante. E o sabor é prolongado, com aquela mineralidade própria da chardonnay, que combina bem com o sabor do peixe.

Em suma, mais um daqueles jantares que ao final a gente está se sentindo feliz e relaxado, de bem com a vida e com os seres humanos em geral ...
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