Todo mundo conhece o ritual clássico - você pede um vinho no restaurante, o garçon (ou o sommelier, quando há) abre a garrafa e lhe entrega a rolha.
Você dá uma espiadinha na rolha, às vezes dá também uma cheiradinha. O garçon serve um dedinho de vinho na taça e fica esperando. Chegou o seu momento !
Você pega a taça entre os dedos, faz aquela cara de grande enólogo (alguma coisa entre o entendido e o levemente entediado) e dá uma olhada no vinho, contra uma luz ou contra um fundo claro. Aproxima a taça do nariz e dá aquela primeira fungadinha. Depois gira a taça, naquele movimento que caracteriza os enochatos, e cheira de novo. Aí, então, vira o olhar entendido e sorridente pro garçon e faz sinal afirmativo com a cabeça. Ele, feliz da vida, enche então as taças de todo mundo.
Afinal, pra que serve esse ritual todo ? Ele faz algum sentido, ou é pura frescura ?
Faz sentido, faz sentido, sim, senhor ...
Vamos começar com a rolha. O grande objetivo de examinar a rolha é para ver se há manchas de vinho no corpo da rolha. O normal é que só haja coloração na parte inferior, na base da rolha - aquela que obviamente fica em contato com o líquido. No corpo da rolha não deve haver mancha de vinho. Se houver, isso pode ser um primeiro sinal de problemas à vista. Pode significar que houve vazamento de vinho pelos poros da rolha -e que, portanto, deve ter havido vazamento de oxigênio no sentido oposto, para dentro da garrafa, o que pode ter estragado o seu vinho. Mas é apenas um sinal - o exame da rolha não é definitivo.
Sobre cheirar a rolha, bem ... Eu já vi um garçon abrir o vinho, cheirar a rolha ainda espetada no saca-rolhas, fazer um gesto negativo e levar o vinho de volta, trazendo outra garrafa - e olhe que era um Brunello di Montalcino ! Até hoje, a Tereza e eu nos arrependemos de não ter pedido para o cara deixar aquela garrafa na mesa também, além da outra, perfeita, que ele trouxe depois ...
Mas se você não tem um nariz excepcionalmente bem treinado, pode deixar a cheiradinha de rolha pra lá. Guarde seu nariz para cheirar o que realmente importa - o próprio vinho.
Bem, e o que pode haver no cheiro do vinho que pode me levar a mandá-lo de volta ? Duas coisas :
1 - O vinho pode estar oxidado - como suspeitamos pela análise da rolha, entrou ar na garrafa e o vinho estragou. O cheiro vai lembrar o cheiro de vermute (lembra daquele Cinzano que você bebia na adolescência ? É algo por aí.)
2 - O vinho pode estar bouchonné - a rolha de cortiça pode, às vezes, desenvolver um tipo de fungo que ataca o vinho. Ele fica com aroma de bolor, de mofo - sabe aquele pano molhado que ficou esquecido no fundo do quintal ? Algo assim. O nome bouchonné vem da própria rolha - ou bouchon, em francês.
Nestes dois casos, o certo é comentar com o sommelier o problema que você identificou, e pedir para que o vinho seja trocado. Normalmente, eles vão trocar sem grandes questionamentos, já que o fornecedor (importadora ou fabricante) do vinho geralmente aceita trocar as garrafas problemáticas.
E se você sentir o vinho foxado, ou seja, com cheiro de suco de uva, indício de que se trata de um daqueles vinhos feitos com uvas não-viníferas ? Ou se o vinho simplesmente não for do seu agrado ?
Bem, aí, meu amigo, o problema é todo seu - quem mandou escolher o vinho errado na carta ? A não ser que tenha sido uma recomendação do próprio sommelier, o melhor a fazer, nestes casos, é enfiar a viola no saco, beber quietinho e anotar bem o nome do vinho, para não cair na mesma cilada outras vezes.
sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011
Assinar:
Postar comentários (Atom)
8 comentários:
Nivaldo,
Excelente post, como sempre. Gostei particularmente da cara “entre o entendido e o levemente entediado”, estou ainda rindo! Muito bom!
Agora, seriamente, li que cerca do 90% dos vinhos devolvidos em restaurantes estão sem defeito nenhum: eles o devolvem somente para fazer pose de grande entendedor e nariz agudo...
Um sommelier meu amigo na Itália me confessou que um famoso ator que freqüenta
O restaurante onde ele trabalha devolve sempre a primeira garrafa, somente para impressionar os acompanhantes (sobretudo AS acompanhantes)...
Abraço!
Nivaldo, Parabéns pelo texto, muito bom mesmo. Cheirar a rolhaé o suficiente para detectar o bouchonné, portanto, não é preciso cheirar o vinho (caso do Brunello). Foxado, não é defeito, é característica dos vinhos de mesa (há quem goste) e esquceste o vinagre, que também pode ocorrer.
[]s Werner Schumacher
Ora, Mario, obrigado pelos elogios - vindo de um cara que escreve bem como você, no seu blog MondoVinho, os elogios ficama idna mais envaidecedores !
Suponho que aqui no Brasil ainda não há tanto essa moda de mandar devolver um vinho por puro esnobismo ... ou será que há ?
De minha parte, confesso que só me lembro de duas vezes, em toda minha vida, em que devolvi vinhos - além dessa história do Brunello, que me aconteceu em um restaurante na Toscana.
Abraços
Obrigado pelos comentários, Werner ! "Apareça" mais vezes por aqui !
Você tem razão - o vinho "que virou vinagre" é um passo além no processo de oxigenação a que eu me referi no post.
Quando o oxigênio começa a se infiltrar na garrafa, o processo, no início, dá origem ao aroma de vermute. Claro, se o processo continuar, o vinho vai continuar a se degradar. Nesse processo, o álcool do vinho vais e transformando gradualmente em ácido acético - o que dará origem ao tal do cheiro de vinagre.
Abraços !
Olá Nivaldo, particularmente julgo o exame da rolha de pouca valia. Já bebi vinhos excelentes com rolhas bastante infiltradas.
Há um outro defeito que também é bastante duro de roer. Trata-se do vinho excessivamente sulfuroso. É aquele odor desagradável de repolho ou ovo podre.
Em alguns casos uma rápida aerada é capaz de resolver o problema. Mas estou para ver isso acontecer. Nnum restaurante o melhor mesmo é chamar o sommelier, pedir uma segunda opnião e educadamente devolver. Afinal de contas ovo podre não dá, né?
Abraços.
Pois é, Alex, não dá mesmo, né ? Em geral, o problema parece ser o tal do anidrido sulfuroso que alguns produtores jogam sobe as uvas, para impedir que o processo de fermentação se inicie antes do tempo.
Isso acontece muito quando as uvas são transportadas de longe para a a vinícola, como é o caso dos produtores que trabalham com as uvas compradas.
Grande abraço, "apareça" mais vezes por aqui, trazendo sua experiência e seu conhecimento para compartilhar coma gente !
Adorei o blog e essa postagem. Achei-o porque comprei um vinho em um Supermercado e ao abrir vi que a rolha estava manchada no corpo, entretanto essa mancha não chega à metade do corpo da rolha, logo acredito que não houve vazamento de oxigênio, certo?
Não sou um expert mas acredito que perceberia um vinho oxidado pelo aroma, o que não foi o caso.
Um abraço
Silas
Olá, Silas, bem vindo ao nosso blog - obrigado pelos comentários e pelos elogios !
Você tem razão - o fato de a rolha estar manchada não é "prova" de que o vinho está danificado. Especialmente se a mancha atinge apenas uma parte da rolha - mas atenção : essa mancha certamente significa que um processo de infiltração começou, de fato a acontecer. Ao encontrar uma rolha assim, redobre os cuidados ao provar o aroma e o sabor do vinho. O processo de infiltração que já começou pode levar o vinho a oxidar - mas, como você disse, a "prova" fina é o seu paladar.
Venha mais vezes !!
Postar um comentário